terça-feira, 2 de agosto de 2016

O Clube dos Anjos, de Luís Fernando Veríssimo








A Gula


Segundo o dicionário Gula é:
  1. Vício que consiste na ingestão exagerada de comidas e bebidas;. 
  2. Forte apego a comidas saborosas; 
  3. Fig.  Forte desejo; SOFREGUIDÃO. 



Quando falei nele para o grupo pela primeira vez, alguém disse “Você está inventando!” mas sou inocente, até onde um autor pode ser inocente. As histórias de mistério são sempre tediosas buscas de um culpado, quando está claro que o culpado é sempre o mesmo. Não é preciso olhar a última página, leitor, o nome está na capa: é o autor. Neste caso, você pode suspeitar que sou mais do que o autor intelectual dos crimes descritos.Que meus dedos não se limitaram à sua dança tétrica nos teclados, mas também derramaram o veneno na comida, e que interferi na trama mais do que é o direito dos autores. As suspeitas se baseiam na lógica, ou na lógica peculiar das histórias de mistério. Se só um estiver vivo no fim, eis o criminoso.

  • O personagem narrador-protagonista tenta ser escritor. Ele se chama Daniel (aquele que é julgado por Deus) e afirma estar escrevendo o livro que o leitor está lendo. Sabemos que essa informação é falsa, pois tanto o narrador quanto os personagens são seres fictícios inventados pelo autor do romance. Trata-se, portanto, de uma representação da realidade através da linguagem literária.
  • Daniel escreveu um dos livros do Antigo Testamento da Bíblia. O livro leva o nome de seu protagonista, Daniel. Vários Livros do Antigo Testamento recebem o nome de seu principal herói como título, como por exemplo os livros de Josué, Samuel, Ester, Jó etc.                                                                                          Mas tal título não indica necessariamente que essa pessoa foi a autora do livro. No caso de Daniel além de protagonista ele é o provável autor do Livro.



O Encontro

Através do encontro com Lucídio e de seu “oferecimento” para cozinhar que o grupo é novamente reunido. Daniel lembra o personagem Fausto, de Goethe, ao estabelecer um pacto com o próprio Diabo a fim de voltar ao que considera o melhor período de sua vida.

Lucídio não é um dos 117 nomes do Diabo, nem eu o conjurei de qualquer profundeza para nos castigar. Quando falei nele para o grupo pela primeira vez, alguém disse: “Você está inventando!”, mas sou inocente, até onde um autor pode ser inocente.


A omelete perfeita

    O ovo é um símbolo que praticamente explica-se por si mesmo. Ele contém o germe, o fruto da vida, que representa o nascimento, o renascimento, a renovação e a criação cíclica.
  De um modo simples, podemos dizer que é o símbolo da vida.

Os celtas, gregos, egípcios, fenícios, chineses e muitas outras civilizações acreditavam que o mundo havia nascido de um ovo.

  • Ramos é o supremo sacerdote, o mentor que organiza e catequiza os “anjos” do Clube do Picadinho. 
  • Ramos é refinado, seguro de si, respeitado pelo grupo, um líder. Daniel é apenas um “gordo mimado” que não possui nenhum tipo de refinamento, seja literário ou gastronômico.
  • Durante o desenrolar dos capítulos descobriremos que quem assassinou Ramos não foi a doença, mas sim seu próprio amante Samuel. Ramos pediu para ser envenenado com o molho de menta, pois sabia que nenhum outro confrade provaria esta iguaria. Ele opta pelo suicídio/assassinato porque sabia que iria morrer e decide, então, morrer com prazer. O prazer da comida e também da companhia de seus amigos mais amados.
  • Samuel foi o último dos juízes e o primeiro dos profetas. Samuel significa literalmente: "Seu nome é Deus", ou, "Nome de Deus". Seu significado contextual significa: "Pedido de Deus“.
  • O nome "André" (do grego "ανδρεία", andreía, "hombridade" ou "coragem"). Conhecido na tradição ortodoxa como Protocletos (o "primeiro [a ser] chamado”). 
  • João, Pedro, Tiago, Marcos, Saulo e Paulo apóstolo idoso que dependia dos discípulos para ir aos lugares.
  • Assim como o catequizador, outros membros do Clube também se deixarão envenenar para poder não apenas ser senhores da própria morte, mas sobretudo pelo extremo prazer de saborear a comida preferida preparada com extrema maestria e temperada com um veneno ainda mais poderoso que o usado por Lucídio – o prazer provocado por quem está trilhando uma fronteira até então intransponível e proibida.




  • Na sua teoria das pulsões Sigmund Freud descreveu duas pulsões antagónicas: Eros, uma pulsão sexual com tendência à preservação da vida, e a pulsão de morte (Thanatos) que levaria à segregação de tudo o que é vivo, à destruição. Ambas as pulsões não agem de forma isolada, estão sempre trabalhando em conjunto. Como no exemplo de se alimentar, embora haja pulsão de vida presente, afinal a finalidade de se alimentar é a manutenção da vida, existe também a pulsão de morte presente, pois é necessário que se destrua o alimento antes de ingeri-lo, e aí está presente um elemento agressivo, de segregação.
  • O primeiro a morrer, assim como na Bíblia, é o personagem Abel. Paródia carnavalesca que se insere na narrativa para brincar com as estratégias narrativas. Toda vez que o narrador apresenta um velório ele sempre identifica o mês. Considerando que os jantares do clube são mensais, é fácil inferir a ocorrência de uma morte por mês. E o método escolhido pelo serial killer é a própria gula, a vontade de comer mais do que necessita, o desejo de ter, de possuir.
  • Depois seguiram: André, João, Marcos, Saulo, Paulo, Pedro, Tiago, Samuel e Daniel (sugerida pelo último jantar)
  • Outra relação intertextual importante é estabelecida com a tragédia shakespeariana Rei Lear 76, constantemente citada pelos personagens Lucídio e Samuel, os “Wanton boys” de Ramos, que é homossexual e por várias vezes tenta contar a Daniel, mas este prefere não saber. No texto de Veríssimo, assim como na tragédia (gênero sério e clássico), é a figura do herói que deve restabelecer a ordem quebrada. Em O Clube dos Anjos a ordem é rompida com o assassinato de Ramos por seu amante Samuel, e o resgate é o assassinato de todos os membros do clube, realizado através de seu outro amante: Lucídio.
  • Nessa tragédia, Shakespeare aborda questões que versam sobre o amor filial e fraternal,traições, relações de amor e ódio e o poder da persuasão. Veríssimo estabelecerá um interessante jogo intertextual que dialogará com a tragédia shakespeariana, resgatando-a e também a invertendo, a fim de adaptá-la a algumas situações da sociedade contemporânea.



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