sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Pequena Análise de Marília de Dirceu


Análise da obra

Antes de partirmos para a análise da obra vamos relembrar algumas característica do Arcadismo.

Influenciando pela razão iluminista e marcado pelo influxo da estética rococó, o Arcadismo surge no Brasil na segunda metade do século XIX. Esta escola caracteriza-se pelo culto da poesia bucólica, do cenário pastoril. Além disso abrange o culto à natureza, a celebração da vida simples, a construção racional do poema, o controle sobre a emoção e a imaginação, valorizando a linguagem harmoniosa, clara e com elegância natural.


Veja uma análise mais completa em  Análise de Marília de Dirceu em PDF



Os temas e Tópicos do Arcadismo comparecem fielmente na poesia de Gonzaga. O Locus Amoenus (o lugar ameno, paraíso bucólico) é muito frequente e vem definido literalmente desde o primeiro verso da estrofe abaixo:

Num sítio ameno
cheio de rosas,
de brancos lírios, 
murtas viçosas,
dos seus amores
na companhia,
Dirceu passava
alegre o dia. 

Também é possível encontrar o Carpe Diem (goza o dia, não confies nem um pouco no amanhã) nos versos abaixo:


Que havemos de esperar, Marília bela?
que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm tarde, já vêm frias,
e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha Marília,
aproveite-se o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças,
e ao semblante a graça!

Nas liras encontramos também a aurea mediocritas (o culto da vida simples) 


Tu não verás, Marília, cem cativos
tirarem o cascalho e a rica terra,
ou dos cercos dos rios caudalosos,
ou da minada serra;

e depois de mostrar sua condição modesta, faz elogio desta vida simples, compartilhada a dois, e valorosa pelo estudo e pela poesia:


Enquanto resolver os meus consultos,
tu me farás gostosa companhia,
lendo os fastos da sábia, mestra História
e os cantos da poesia.

As liras apresentam ainda o pastoralismo (exaltação da vida no campo), simplicidade formal e referência a mitologia clássica.

Os versos são marcados pelo convencialismo.

O ambiente é a natureza idílica, representando a arcádia. Em alguns momentos, porém, há a inserção de elementos da paisagem e natureza brasileira (vaqueiros, gado, espaço rochoso etc.) - cor local.

A obra Marília de Dirceu é dividida em duas partes (há uma terceira parte, porém se questiona a autoria dos versos)

Primeira parte

É anterior à prisão de Dirceu. Seus versos exaltam a beleza de Marília, em algumas vezes uma forma de declaração de amor, outras vezes ansiedade devido ao medo da não correspondência amorosa.

Lira IX
Eu sou, gentil Marília, eu sou cativo;
Porém não me venceu a mão armada
De ferro, e de  furor:
Uma alma sobre todas elevada
Não cede a outra força, que não seja
A tenra mão de amor.

Arrastem pois os outros muito embora
Cadeias nas bigornas trabalhadas
Com pesados martelos:
Eu tenho as minhas mão ao carro atadas
 Com duros ferros não, com fios d’ouro,
Que são os teus cabelos.

Oculto nos teus meigos vivos olhos
Cupido a tudo faz tirana guerra:
Sacode a seta ardente;
E sendo despedida cá da terra,
As nuvens rompe, chega ao alto Empíreo:
E chega ainda quente.

As abelhas nas asas suspendidasTiram, 
Marília, os sucos saborosos
Das orvalhadas flores:
Pendentes dos teus beijos graciosos
O mel não chupam, chupam ambrosias
Nunca fartos Amores.

O Vento quando parte em largas fitas
As folhas, que meneia com brandura;
A fonte cristalina,
Que sobre as pedras cai de imensa altura,
Não forma um som tão doce, como forma
A tua voz divina.

Em torno dos teus peitos, que palpitam,
Exaltam mil suspiros desvelados
Enxames de desejos;
Se encontram os teus olhos descuidados,
Por mais que se atropelem, voam, chegam;
E dão furtivos beijos.

O Cisne, quando corta o manso largo,
Erguendo as brancas asas, e o pescoço;
A Nau, que ao longe passa,
Quando o vento lhe infuna o pano grosso,
O teu garbo não tem, minha Marília,
Não tem a tua graça.

Estima pois os mais a liberdade;
Eu prezo o cativeiro: sim, nem chamo
À mão de amor impia:
Honro a virtude, e os teus dotes amo:
Também o grande Aquiles veste a saia,
Também Alcides fia.
Essa lira pertence ao primeiro Gonzaga. Na primeira estrofe, o poeta contrasta a "tenra mão do Amor" - da qual se faz cativo - com a mão armada de “ferro e de furor". Tais imagens contrastadas reaparecem nos três últimos versos da segunda estrofe em novo desdobramento e manifestam-se, por fim, no terceiro verso da última estrofe. Todo o poema revela a grande capacidade de criação de cenas visuais de Gonzaga. Na quinta estrofe ("O vento, quando parte em largas fitas/ as folhas, que meneia com brandura"), a qualidade plástica alia-se a uma refinada música verbal e dá como resultado um ponto alto do poema.

Na quarta estrofe ("As abelhas, nas asas 'Suspendidas”), Gonzaga emprega a palavra "beiços" ("pendentes dos teus beiços graciosos “), numa revelação de sua tendência ao emprego de palavras concretas e, às vezes, consideradas pouco "nobres ". Há nessa estrofe, assim como também na sexta ("Em torno dos teus peitos, que palpitam”), um claro toque de sensualidade, raro dentro das convenções arcádicas. Uma sensualidade que está na própria Marília, como mostra a sexta estrofe.




Segunda parte

Escrita durante a prisão. Marcada pela expressão da saudade por Marília e da dor da solidão. O pessimismo toma conta do eu-lírico e muitas vezes o faz aproximar de algumas características do romantismo.

Lira XXXIV
Vou-me, ó Bela, deitar na dura cama,
De que nem sequer sou o pobre dono:
Estende sobre mim Morfeu as asas,
E vem ligeiro o sono.

Os sonhos, que rodeiam a tarimba,
Mil coisas vão pintar na minha idéia;
Não pintam cadafalsos, não, não pintam
Nenhuma imagem feia.

Pintam que estou bordando um teu vestido;
Que um menino com asas, cego, e louro,
Me enfia nas agulhas o delgado,
O brando fio de ouro.

Pintam que entrando vou na grande Igreja;
Pintam que as mãos nos damos, e aqui vejo
Subir-te à branca face a cor mimosa,
A viva cor do pejo.

Pintam que nos conduz dourada sege
À nossa habitação; que mil Amores
Desfolham sobre o leito as moles folhas
Das mais cheirosas flores.

Pintam que desta terra nos partimos;
Que os amigos saudosos, e suspensos
Apertam nos inchados, roxos olhos
Os já molhados lenços.

Pintam que os mares sulco da Bahia;
Onde passei a flor da minha idade;
Que descubro as palmeiras, e eme dois bairros
Partidas a grã Cidade.

Pintam leve escaler, e que na prancha
O braço já te of’reço reverente;
Que te aponta c’o dedo, mal te avista,
Amontoada gente.

Aqui, alerta, grita o mau soldado;
E o outro, alerta estou, lhe diz gritando:
Acordo com a bulha, então conheço,
Que estava aqui sonhando.

Se o meu crime não fosse só de amores,
A ver-me delinqüente, réu de morte,
Não sonhara, Marília, só contigo,
Sonhara de outra sorte.

O poema compõe-se de uma sucessão de quadros pintados pelo poeta; esses quadros sonhados na prisão formam uma narrativa do casamento e da viagem de núpcias. São cheios de cores: neles, vemos "o brando fio de oiro ", a "branca face" animada pela "viva cor do pejo ", a "do irada sege ", os "roxos olhos ", e acolhemos a sugestão da cor do mar, das palmeiras, da "amontoada gente" e das "moles folhas/ das mais cheirosas flores ". A leveza e a miúda realidade com que os sonhos vêm descritos revelam de modo sutil tudo quanto foi perdido. As estrofes pintadas pelo sonho são interrompidas e desfeitas pelo grito do soldado; o poeta soube marcar muito bem essa interrupção ao fazer intervir, de modo direto e brusco, a fala do soldado-carcereiro e a resposta do outro, e construiu assim uma expressiva mudança de tom dentro do poema. A representação do contraste entre a prisão e o desejo amoroso feita através do contraste entre sonho e realidade dá ao poema sutileza e novidade. 



Terceira parte


Lira III
Tu não verás, Marília, cem cativos
Tirarem o cascalho, e a rica, terra,
Ou dos cercos dos rios caudalosos,
Ou da minada serra.

Não verás separar ao hábil negro
Do pesado esmeril a grossa areia,
E já brilharem os granetes de ouro
No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos;
Queimar as capoeiras ainda novas;
Servir de adubo à terra a fértil cinza;
Lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes
Das secas folhas do cheiroso fumo;
Nem espremer entre as dentadas rodas
Da doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesa
Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-ás folhear os grande livros,
E decidir os pleitos.

Enquanto revolver os meus consultos.
Tu me farás gostosa companhia,
Lendo os fatos da sábia mestra história,
E os cantos da poesia.

Lerás em alta voz a imagem bela,
Eu vendo que lhe dás o justo apreço,
Gostoso tornarei a ler de novo
O cansado processo.

Se encontrares louvada uma beleza,
Marília, não lhe invejes a ventura,
Que tens quem leve à mais remota idade
A tua formosura.


A fama - muito merecida - desse poema está ligada à captação da paisagem física e humana do Brasil da época. A captação dessas características faz-se pelo emprego de palavras apropriadas (bateia, por exemplo) e de "cor local" (capoeiras, por exemplo). Esse registro da paisagem brasileira, feito com acentuada visualidade e linguagem precisa, contrasta vivamente com os poemas pastoris de cenário quase abstrato. Mediante o emprego reiterado do "não verás", o poema faz justamente ver.
O poema opõe o cenário da riqueza (a mineração, a mata devastada para a agricultura, a cultura do fumo e da cana-de-açúcar) ao cenário íntimo de uma vida modestamente burguesa, iluminada pelo trabalho estudioso e pelo culto do saber e da poesia, que o poeta oferece a Marília. A oposição vem marcada pela construção simétrica do poema: quatro estrofes dedicadas à descrição das riquezas e quatro dedicadas ao tema da aurea mediocritas, o ideal da nova era burguesa. Na última estrofe, encontra-se o tópico da musa (Marília) que será elevada pela celebração do poeta ("que tens quem leve à mais remota idade! a tua formosura"). Repare-se na variação métrica do poema: os três primeiros versos em decassílabo e o último em hexassílabo. Em relação ao ritmo, observe-se o jogo de aliterações da segunda estrofe ("Não verás separar ao hábil negro/ do pesado esmeril a grossa areia,! e já brilharem os granetes de oiro/ no fundo da bateia "). 



Veja uma análise mais completa em  Análise de Marília de Dirceu em PDF


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