Biografia
- Ariano Suassuna nasceu na então cidade de Nossa Senhora das Neves - hoje João Pessoa, capital da Paraíba.
- Logo em seguida, tendo seu pai, João Suassuna, deixado o governo do estado, Ariano acompanha a família de volta para a região do alto sertão paraibano, onde a mesma tinha várias fazendas.
- Assassinado o pai, a família deixa a região, mudando-se para a cidade de Taperoá, no chamado sertão seco, onde o futuro dramaturgo e romancista faz seus estudos primários.
- Em 1938 há nova mudança, desta vez para Recife, onde cursa o ginásio, estudando também música e pintura.
- Em 1946 entra para a Faculdade de Direito, ligando-se ao círculo de poetas, escritores e artistas da capital pernambucana e interessando-se cada vez mais pelo romanceiro popular nordestino e pelo teatro.
- Em 1952 começa a trabalhar em advocacia mas logo abandona a profissão, dedicando-se ao magistério e à atividade de escritor.
Movimento Armorial
O Movimento Armorial, é uma iniciativa artística que tem como objetivo criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro. Um dos fundadores é Ariano Suassuna.
Tal movimento procura orientar para esse fim todas as formas de expressões artísticas: música, dança, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura, entre outras expressões.
A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos "folhetos" do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus "cantares", e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados. - Ariano Suassuna, Jornal da Semana, Recife, 20 maio 1975.
Obras
Com extensa obra teatral - publicou, entre outras, as peças:
- Auto da compadecida
- O santo e a porca
- A farsa da boa preguiça
- A história do amor de Fernando e Isaura, romance até hoje inédito.
- O decifrador, uma trilogia composta de:
- I - A pedra do reino
- II - O rei degolado
- III - Senésio, o alumioso
O Auto da Compadecida
- Escrita pelo dramaturgo e escritor pernambucano Ariano Suassuna, em meados da década de 50, reproduz o modelo de textos religiosos encenados em procissões e átrios de igrejas, como era comum naquele tempo, mantendo-se uma tradição medieval e renascentista que parece ter vindo de Portugal, ou do mundo ibérico (entre os autores mais conhecidos podemos referir Lope daVeja, Calderon de La Barca e Gil Vicente), e sido introduzido entre nós no século XVIII, sendo o caso, por exemplo, dos Auto dos Reis Magos, e toda sorte de performances dramáticas encenadas nas procissões de Corpus Cristi, Natal, Páscoa, etc.
- Auto, como designado no título, é um tipo de encenação popular, corrente durante muito tempo no nordeste do Brasil, e que se propunha a um ensinamento religioso. Os autos tinham a função de levar ao público as exemplares vidas dos santos, assim como os atos que os dignificaram.
Todos Severinos... |
Um retrato do Brasil: religiosidade, simplicidade. Como diria João Cabral de Melo Neto, “todos Severinos” de pé no chão, acuado pela seca, atormentado pelo fantasma da fome e em luta contra a miséria.
Se não bastassem todas as adversidades naturais, o sofrimento era acrescido pela opressão imposta pelos coronéis, proprietários de terras e almas. Como afirma o próprio Suassuna é o Brasil real acuado pelo Brasil oficial.
Nossa Senhora Aparecida, a compadecida
No caso da obra de Ariano Suassuna O auto é da compadecida, porque fala justamente de Nossa Senhora Aparecida, padroeira dos brasileiros.
O termo “Compadecida” é usado porque ela se compadece do ser humano, conforme pode ser visto no final da história, quando a mesma é chamada a interceder em favor de João Grilo.
A influência da literatura de cordel
- O enredo da peça e construído a partir de histórias alinhavadas e recriadas a partir de histórias outras, retiradas do universo da poesia popular brasileira, também conhecidas como “literatura de cordel”.
- Vemos os tipos de personagens nordestinos, e vemos também o tipo bem brasileiro neles, que é de "dar conta do recado" com o famoso "jeitinho" brasileiro.
Meus personagens ora são recriações de personagens populares e de folhetos de cordel, ora são familiares ou pessoas que conheci. No Auto da Compadecida, por exemplo, estão presentes o Palhaço e João Grilo.
O Palhaço é inspirado no palhaço Gregório da minha infância em Taperoá. Já o João Grilo é o típico nordestino amarelo, que tenta sobreviver no sertão de forma imaginosa.
Costumo dizer que a astúcia é a coragem do pobre.
O nome dele é uma homenagem ao personagem de cordel e a um vendedor de jornal astucioso que eu conheci na década de 50 e que tinha este apelido.
“O catolicismo está presente devido ao grande apego que os nordestinos tem a DEUS o grande medo do diabo, vemos também que os personagens masculinos expressam o tipo "machões", mais na verdade alguns deles são muito medrosos, principalmente quando se envolve a figura de forças superiores. “
O medieval e o moderno
A síntese de um modelo medieval com um modelo regional resulta, na peça, como concebida pelo autor.Se verificarmos que as tendências mais importantes do Modernismo definem-se no esforço por uma síntese nacional dos processos estáticos, poderemos concluir que o texto do Auto da Compadecida se insere nas preocupações gerais desse estilo de época, deflagrado a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo.Um modelo característico dessa síntese se encontra em Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1927, e em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956), entre outros.
Os Personagens
- A peça apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo.
- PRINCIPAL: João Grilo
- OUTRAS: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio.
- LIGAÇÃO: Palhaço
- As personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da estrutura da peça porque ela assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto.
- João Grilo é a personagem principal porque atua como criador de todas as situações da peça.
- As demais personagens compõem o quadro de cada situação.
- O Palhaço, representando o autor, liga o circo à representação do Auto da Compadecida.
Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.
A COMPADECIDA: A mulher que vai desempenhar o papel desta excelsa Senhora declara-se indigna de tão alto mister.
PALHAÇO: Auto da Compadecia! Umas história altamente moral e um apelo à misericórdia.
JOÃO GRILO: Ele diz “à misericórdia”, porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada (p.24).A estrutura da peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas desenvolvidas por João Grilo.
1ª) a bênção do cachorro, e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais.
JOÃO GRILO: “Era o único jeito de o padre prometer que benzia. Tem medo da riqueza do major que se péla. Não viu a diferença? Antes era “ Que maluquice, que besteira!”, agora “Não veja mal nenhum em se abençoar as criatura de Deus!” (p.33).
2ª) a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais.
JOÃO GRILO: /.../ “É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido”.(p.40). “Não sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro”(p.41).
3ª) o testamento do cachorro.
JOÃO GRILO: Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão (p.63-64).
4ª) o gato que “descome dinheiro”.
JOÃO GRILO: “Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato maravilhoso, eu descome dinheiro” (p.38). “Então tiro. (Passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões). Esta aí, cinco tostões que o gato lhe dá de presente”(p.96).
5ª) a gaita que fecha o corpo e ressuscita.
JOÃO GRILO: “Mas cura. Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer” (p.122).
6ª) a “visita” ao Padre Cícero.
JOÃO GRILO: “Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta” (p.127).
7ª) o julgamento pelo Diabo (o Encourado).
JOÃO GRILO: “Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida!”(p.144).
8ª) o apelo à misericórdia (À Virgem Maria).
JOÃO GRILO: “Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver?” (p.169).
- É uma figura típica do nordestino sabido, analfabeto e amarelo.
- Habituado a sobreviver e a viver a partir de expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira.
- Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de Manuel (Cristo), retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa oportunidade foi ou não bem aproveitada.
b) CHICÓ.
- Companheiro constante de João Grilo e, especialmente, seu diálogo. Chicó envolve-se nos expedientes de João Grilo e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um amigo leal.
c) PADRE JOÃO, O BISPO e o SACRISTÃO.
- Essas personagens, embora de atuação diversa, estão concentradas em torno de simonia e da cobiça, relacionada com a situação contida no testamento do cachorro.
d) ANTÔNIO MORAIS.
- É a autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes e a gente miúda.
e) PADEIRO e sua MULHER.
- Encarnam, um lado, a exploração do homem pelo homem e, de outro, o adultério.
f) SEVERINO DO ARACAJU e o CANGACEIRO.
- Representam a crueldade sádica, e desempenham um papel importante na seqüência de número cinco, porque nessa seqüência matam e são mortos. Com isso propicia-se a ressurreição e o julgamento.
g) O ENCOURADO e o DEMÔNIO.
- Julgam, aguardando seu benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar que representam, de alguma forma, um instrumento da Justiça, encarnado em Manuel (O Cristo).
h) MANUEL.
- É o Cristo negro, justo e onisciente, encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência mundana, do preconceito, do falso testemunho, da velhacaria, da arrogância, da simonia, da preguiça. Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e com prudência.
i) A COMPADECIDA.
- É Nossa Senhora, invocada por João Grilo, o ser que lhe dará a Segunda oportunidade da vida. Funciona efetivamente como medianeira, plena de misericórdia, intervindo a favor de quem nela crê, João Grilo.
- Realiza, nessa peça, o papel do Corifeu, no teatro clássico, e sua intervenção corresponde à parábase da comédia clássica – trecho fora do enredo dramático em que as idéias e as intenções ficam claramente expressas:
- Comentar a intencionalidade da temática da peça.
- Retratar a construção do espaço cênico
- Antecipar os episódios
- Gerar suspense
- Dialogar com o público, inclusive de forma irônica
- Introduzir os personagens em cena, geralmente de modo sarcástico e cômico
- Criar uma interlocução com a platéia, pedindo-lhe aplausos para encerrar o auto
- Evidenciar o aspecto anti-ilusionista da peça.
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